domingo, 10 de dezembro de 2017

A derrota no primeiro tempo.

De todos os papéis: o ridículo. O ridículo sem medo, bobo-da-corte, o abatido, trucidado com o sorriso bobo. Já não me importa mais os papéis, todos eles, ridicularmente ridículos quanto os ridículos  que andam sem máscaras. O bater da vida, feito chicote, começa primeiro no topo das costas, depois mais abaixo, ai aí! O joelho, já anda torto e fixo pra aguentar o próximo chute. Ah, o que me importa o ridículo nesses tempos!! Poderia eu divagar sobre poderosos e seus ridículos discursos inescrupulosos, poderia elogiar as ridículas boas maneiras dos-que-nunca-erram ou as ridículas roupas dos que riem enquanto apontam para o ridículo alheio. Mas eu, ridicularmente, prefiro falar sobre flores. E, ridícula em todos os momentos, prefiro ignorar o todo ridículo que me cerca e explodir. Explodir em mínusculos e finozinhos e, ah, tão ridículos, fragmentos do eu - Já não sei mais o que sou e não sinto medo, é só uma espécie de naúsea permanente. Ah, tantas dúvidas e tão pouco jeito pra dizer o prende na gargante, o que só sei que existe pela ânsia. Mas essa ânsia é tão forte, eu te juro, que dói, que ridicularmente dói muito não conseguir dize-lá. Como viver sabendo que algo existe mas não se pode dize-lo? Ando de um lado para o outro, angustiada. Inquieta, irritada. Por não saber o que é algo que é e, ah, preciso tanto dizer senão por mim recai o manto branco da solitária solidão. Como acessar esse eu que existe, quer se mostrar, mas não sabe o que é?
 Rabisco paredes, jogos dados, aposto a sorte. Soldados, tentem me pegar!!
Quem me falar de flor não diz muito, quem me falar de dor, diz muito mais.

De todas as explosões: a do peito. O sentir 5 dedos pressionando de leve o seu coração numa espécia de êxtase feliz que só consigo descrever pelo som - pausa, suspiro, sorriso. Não sei de onde vêm essas borboletas que carregam meu estômago para cima. Pouco sei do endereço real do que contraí meus músculos para o riso. Quase nada me importa as respostas, é desperdício ter todas as certezas. Prefiro eu, remador de uma naú sem rumo, piloto louco em eminente queda, sentir isso acontecendo milhões de vezes por microsegundos. Seguir o instinto puro de sol.

--- Ó, não me venha com obrigações. No momento estou muito ocupado pintando o momento --

Louco. Animal que rasga as coleiras. Que desafia os princípios. Minha pele não suporta a dureza dos seus homens. Ó, que ao menos salvem os sensíveis dessa terrível guerra que está por vim!
Voar, voar, voar.
Feito o pássaro mais leve que paira sobre o ar. Como será o mundo visto do céu? Desde a primeira vez tive medo de avião. Aquela máquina pesada, apertada que de repente atravessa uma nuvem muito grande trazendo uma espécie de cegueira. Como começa aquele livro do Saramago.
Lembrei que tenho alguma lembrança desse livro. Me veio o começo, aquela história que de uma hora para outras as pessoas começavam a ficar cegas e a cegueira era uma espécie de experiência leitosa. Não lembro o final, nem quando li. Nada disso importa.

Ah, tenho tantas e tantas obrigações que a minha mente se cansa de pensar nelas e, lá fora, quase nada realizado. -- Ah, estou tão ocupada pintando o momento!! --
Descompassada. Inquieta. Por dentro pulsa, ainda bem.  Pago o preço pela pulsação.

Vacilação: Tem dias que a balança pende para o outro lado. Impossível separar as doses - isso aqui é dor, ali vibração. Novelos e mais novelos de relações, minúsculos movimentos que pairam no ar. Ah, como queria o teu olhar e não pedaços dele, incertezas. Despertar em você a vontade de fixar, o convite pra descobrir. Queria eu, poeta errante nas cidades que não se importam, acessar sua versão mais profunda, conhecer pedaços ainda desconhecidos do latifúndio do teu corpo. Desenhar novos planos astrais. Pintar, em aquarela, teu cílios mais compridos e os imperceptíveis caminhos da tua boca.
--- deixe de bobagem, o imaginado nunca é e, quiça, nunca será concreto ---

Quando os dados são jogados, sempre param no mesmo final - o desfecho solitário das minhas escolhas quase sempre erradas. Errante, errante. Se apaixonar pelas estrelas do céu, pelos botos do rio, pelos homens de outros caminhos. Deixar ir. Balançar os pratos pro não sofrer, pro não imaginar.

Não interrompa meu silêncio. Quando não estou, aprenda a esperar minhas pausas. Um novo verão, um outro cruzamento. Mais um olhar, tão lindamente pincelado por ângulos de sensações. Convite irrecusável, para eu, lobo solitário em plena mata, seguir instintivamente. Paixão ardente por coisa nenhuma.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Auto-explicação, aos demais, desculpas.

Não sou muito dada aos alardes, as vozes altas, telefonemas bruscos, carros de som no meio da Avenida. Tenho aprendido com o silêncio das águas, a linguagem com que me comunico com meus semelhantes. De tanto conversar com árvores aprendi a balançar sem alardes, a cair com graça, a armazenar com sabedoria o tanto visto e nunca dito. As  montanhas têm me ensinado a meditar com calma, a limpar o coração por mais árdua que a tarefa seja, contemplar o bonito e agradecer, agradecer sempre o que em meio a tanta brutalidade dos homens me traz um fio de esperança no que desejo. Os pássaros, esses seres tão leves e graciosos, me trazem aos olhos um milhão de cores com que posso colorir em aquarela o meu caminho, o canto tão preciso e delicado que me presenteia os ouvidos, pela manhã, ensina uma sinfonia harmônica que dança com a minha boca imóvel.
Sou um caixeiro de silêncios, um amante das sutilezas. Por favor, aceite minhas delicadezas como um tesouro a ser descoberto. Aprendo na mudez que não é renuncia de comunicação, a desenhar com dedos mapas astronímicos em outros corpos, a acompanhar os caminhos das veias e dos rios, os desenhos que os cílios fazem no ar e as vontades presas em tantas íris cor de mel.
Sou um ser de despropósitos -- não quero chegar a lugar algum assim, tão bem desenhado. Mais me vale o lado dos que perderam, dos que ficaram para trás, dos que não almejam tão grandes destinos. Mais me vale as conversas profundas, os amores sinceros, os afetos dos que tem muito tempo e pouco medo.
Sou um buraco de profundidades, é preciso não ter medo para caminhar com nenhuma certeza. Em cada canto, vejo mil e um ângulos que merecem igualmente minha atenção. Destrincho-os, me perco e os perco, num desejo de liberdade com que vejo e deixo o que tiver que ir, passar. Na solidão das igrejas, aprendi que nem Deus ou Estado é capaz de me garantir alguma companhia permanente.
Abrigo de desapegos, quero ter a sorte de um dia viver a simplicidade dos monges, as paixões terrenas, a sabedoria mineral. Quero me somar no canteiro de mudas de uma nova geração - dos sentimentos que vibram, de amarras que libertam, dos cuidados em comunhão.

-- eu penso que o mundo pode ser mais bonito e só de olhar, sei que alguns de vocês também --

domingo, 15 de outubro de 2017

Sobre fumantes e grades bancas.

Pego-me pensando nas semelhanças entre os fumantes e as grades brancas. Ambos - à espreita - no canto inabitável do ambiente, cercando de dureza e devaneios, as janelas grandes. Ângulos de todas as formas e direções, quadrados, losangolo e etc etc. Primeiro, explico como cheguei em tal conclusão. Primeiro, foi o dia cinza, com nuvens que peneiravam o céu em monocromático. O rosto pesado, caricato, distante. Depois, o bolo no estômago que bateu durante o almoço, feito massa branca de pão molhado a fechar a boca, bem na altura do esterno. Precisamente, entre os ângulos da costela. Depois, o espanto - triste, rápido e certeiro - da inconstância que bate em dias sim. Tudo pra pensar sobre as pontes intransponíveis entre meus pensamentos íntimos e as pessoas cotidianas. Um paraíso habitado pela mais branca solidão. Paradisíaca praia de uma pessoa só. Invento brincadeiras para esse amigo tão fino, jogos de palavras, desenhos mentais, cenários irreais. Numa linguagem de olhares, cantos de bocas, mãos e silêncio. Sutis movimentações. Sutis afetos. Silencioso e sempre espreita. Conjuntamente, cultuamos a mesma obsessão e o grito de socorro -  inventar a poesia sem estrofe.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Cérebro máquina, sátira vã.

Preste atenção. Eles todos. Estamos num palco de batalha, 3 minutos para o início da luta. Sangue nos olhos, boca tremendo, o corpo todo em uma vibração de corrente elétrica, dos pés a cabeça, levantando todos os pelos num desejo incessante. O ódio a te comer pelas beiradas. Cachorros loucos atrás das vacilações. Batedor de mãos levantados para o primeiro a questionar. E você, se negando a sorrir e obedecer como um cachorro dócil, fica quieto e rosna. Rosna preso, feito o lutador aos 3 minutos da batalha. Rosna até o corpo se rebelar ou explodir. Sátiras e mais sátiras, o que resta pro nosso bando? Posso falar o quanto vocês todos, com essas roupas engomadas e impetuosamente limpas, são ridículos. Das cabeças de cabelos arrumados, ao sapato lustrado, passando pelo jeito de falar, cerimoniosamente herdados das boas maneiras estrangeiras e do código de moral empoeirado da estante. O quanto tudo que valorizam é medíocre, restos de pó e coito fadados às facadas na costas. Não conseguem confiar na própria sombra ou deixar de sentir uma náusea ao escovar os dentes, pelas manhãs. O quanto tua sede de poder, sua fome por dinheiro e o fetiche pela tortura alheia mancha suas goelas e corrói as vísceras, num movimento inexorável de autodestruição em massa. O quanto fedem e fedem e fedem. E o quanto vocês, meus caros amigos que, nesses momentos de torturam sorriem são fracos, caminhando docilmente para o abatedouro. Bois alienados batendo palma para o churrasco. Calada, sempre a espreita com o cérebro a piar feito máquina à vapor, traçando o plano mais rápido para a próxima saída ou o jeito indolor de encarar a morte. Ó, senhor, piedade, dessa gente careta e covarde!

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Novas lições, de Alter.

Organizar as ideias - unir todos os pontos sem se perder na trilha do minotauro de possibilidades. Ideias distantes, sem traços, conectadas com o aqui ou com o acolá, num emaranhado de minúsculos e finos fios. Saber por onde começar a olhar o conjunto de perspectivas do fato. O começo é sempre o mais difícil.
Ver, com o caleidoscópio de sentidos, os diferentes enquadramentos do enigma de Escher.
Lição 1: A criatividade é fruto do ócio e a poesia não tem relógios. É preciso destilar, destilar cada vez mais, até chegar --- síntese. Produto final em uma dúzia de palavras.
Número 2: Tudo pode ou não pode ser. As moedas tem duas caras e é preciso muito diálogo com árvores para compreende-las. Não se pode vacilar com as emoções.

Necessário sempre: brincar com a língua
                                ganar el mundo
                                - com elas.
                                Ritmo de carimbó.

Poesia: Formar imagens
            com palavras
            e regá-las
            à luz das emoções.

Poeta: indivíduo coletivo.
            taciturnos e estranhos
            em constante diálogo
            com as estrelas.



um poeta treme a mão ao apresentar sua poesia.


quarta-feira, 26 de julho de 2017

Autodescoberta, a busca incessante pelo meu eu

Quem sou eu de verdade? o que alimenta meus anseios e meus desejos mais profundos? Por que escolho sempre vermelho embora ache o amarelo tão bonito? As camadas que vestem minha persona, a maquiagem que molda meu personagem, as frases escolhidas que tocam um íntimo inacessível. Como ter certeza de ser você sem olhar pro lado? Sem, feito uma criança medrosa, espiar pelo canto do olho o navegar alheio, observando-os os passos, os balanços, os abraços. Ser como rio, fluir para florescer o seu eu, explodir na aventura de ser. Descobrir, sem fórmulas mas com muita persistência, observação e auto-amor, quem tu és. Perdoo-me pelos meus erros, respeito meus limites, alimento diariamente o que me acolhe. Trago para a consciência minhas manhas: minhas culpas, meus ciclos, meus vacilos. Amo-me por toda, o meu mel e o minha brutalidade. A morte e vida de todas as etapas - Não ficar mais que o necessário em cada ponto da trajetória. Não nutrir o apego medroso - deixar partir, deixar ir, esperar nascer o novo que vem. Amo sem prender - deixo voar o que já não pode se alimentar em mim. Amo feito pássaro - vou para onde as pernas movem. Adoro com devoção certas palavras doces e tenho talento pra inutilidades. Aceitar que a eternidade não é meu tempo, que o agora me faz sorrir muito mais. Não insistir no que não flui, no que não responde, no que não faz meu corpo vibrar. Lutar contra os padrões, sejam sociais ou do pensar. Lembrar: não temer ser o que é. Não temer, embora as penas balances. Embora o algoz superego chicoteie. Ser-o-que-se-é, feito mantra matinal e único objetivo no trem da terra. Nego toda violência praticada por mim contra mim mesmo.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Divagações sobre o eu.

Como delinear o limite? Onde, no meio a todas nossas relações, encontrar os pontos milimétricos que se ligam, ponto-à ponto, com perfeição ancestral, para formar a fronteira do ideal? Isso aqui é dor, isso felicidade, essa é a dose perfeita de afeto, aqui vamos limitar o envolvimento e etc etc. De que modo impedir que, uma vez aberta as fronteiras das relações, os sentimentos não saiam como uma manada descontrolada, atropelando qualquer tentativa de compreensão e reflexão do processo? E são eles tão variáveis em seus tipos, das alegrias infantis a quem agradecemos a companhia, à mesquinhez do julgamento sobre limite, o espaço privado tido como essencial, ao suspiro final junto ao mar. E, em meio a todos os sentimentos que batem a cara feito bofetada que nem entendemos o porquê de recebermos, há, em nós, um carrasco sempre a espreita e que tudo julga. Que te observa nua, pelo-à-pelo, todos os dias. E julga. E tortura, numa briga final entre vocêXvocêXrepresentaçãodevocêXquemévocê. É uma polifonia limitada pela carne e osso, com o desejo que o ponto de ebulição não chegue aos alter egos de Fernando Pessoa. Desejo de não enlouquecer sob o signo da dor. Que as contradições não atingem o ponto de choque total e reste depois dele o que? O seu eu em pedaços em praça pública, consumido pela culpa ou algo mais? O seu eu esquartejado em 5 partes, impossíveis de serem reajuntadas? Ah, o eu... quantas divagações sobre o que eu nem sei o que é, e talvez, uma resposta aberta, sem conclusão final. Escrever enquanto válvula de escape. Transvestir em palavras  a busca incompleta, como  a esperança de uma resposta metafísica. Fórmulas fáceis para assuntos complexos, a serem deixadas no correio em uma segunda-feira de manhã. Manual de instruções simplificado e em poucas etapas para relações humanas.

terça-feira, 16 de maio de 2017

me segura qu'eu vou dar um troço.

há sempre um pedaço de estória, um "que" que engasga e não conseguimos soltar, uma quina com a qual constantemente o dedo mindinho se bate e por se tatear no escuro nunca sabemos onde está. uma estória, que ainda não tem começo ou fim mas que existe em sua busca. a busca indecifrável pela qual as pestanas dos olhos queimam-se entre as linhas de poemas que não te promete a saída mas oferece um alento. a decifração do enigma: - que faço entre as coisas? - de que me defendo? uma eterna balança, isso aqui é dor, isso aqui felicidade, vamos ver para que lado pende hoje. enquanto o café desce, e permaneço atônico na busca ansiosa do lado pro qual seguir, paralisado com a constatação que não há nada - talvez nem o sentir. pensamentos sem ordem exata, sem sentido pregresso, progresso, ordinário. desprendimento do passado que não chega, expectativa do futuro que não move, braços cruzados a espera de um ônibus sem ponto final. pote em que se mistura sutileza, necessidades, afeto e o coito escondido, moralmente condenado, queimado em praça pública. corpo em chamas sob o véu da serenidade. carência na aflição, na solidão. meu sofrimento não é cheque caução, o desejo de amor não é de fato, o amor. mística popular inexistente, palavra bonita de versos mitológicos. por trás da busca de afetos há o aluguel, o portão fechado, a burocracia dos abraços, a não-correspondências sem motivos, a necessidade do trampo. o tempo-não-tempo das cidades que engolem o homem feito máquina de carne. cinza que enfraquece os sentidos. barulho que enlouquece a mente. o prazo feito camisa de força. meu sofrimento não é cheque caução. a realidade dura. separação dos meus restos em praça pública. fratura exposta na perna direita.  gana da raça pra suportar a próxima tortura. o pique pra resistir na busca do motivo.  rebeldia sistematizada em dúvidas. macabeia e mais um sonho de estrela. me segura qu'eu vou dar um troço, hoje caio mas não morro. 

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Milagros

Milagros aceitou se render à tradição familiar para não faltar nada no ritual que a transformaria como madrinha.  Pôs a mão na cabeça da filha e recitou: "Menina que dorme sob o olhar de Deus, desejo que jamais o perca, que vá pela vida tendo a paciência como melhor aliada, que conheça o prazer da generosidade e a paz dos que não esperam nada. Que entenda teus pesares e saiba acompanhar os alheios. Te desejo um olhar limpo, uma boca prudente, um nariz compreensivo, os ouvidos incapazes de recordar a intriga, lágrimas precisas e moderadas. Te desejo a fé em uma vida eterna e o sossego que essa fé concede. Amém", disse Josefa, chorando na sua cama.
"Agora posso falar o meu?" perguntou Milagros.
Josefa disse que sim.
"Menina", disse Milagros, com solenidade de sacerdotisa: "Eu te desejo a loucura, a determinação, o anseio, a impaciência. Te desejo a sorte dos amores e o delírio da solidão. Te desejo o gosto pelos cometas, pela àgua e pelos homens. Te desejo a inteligência e a criatividade. Te desejo um olhar curioso, um nariz com memória, uma boca que sorria e amaldiçoe com precisão divina. Pernas que não envelheçam. Um pranto que te devolva a integridade. Te desejo o sentido de tempo que tem as estrelas, o temperamento das formigas, a dúvida dos templos. Te desejo a fé nos agouros, na voz dos mortos, na boca dos aventureiros, na paz dos homens que esquecem seu destino. Na força das tuas lembranças e no futuro como promessa onde cabe tudo que nos acontece. Amém"
"Amém", repetiu Josefa, abençoando a fé a imaginação de sua irmã.
(Ángeles Mastretta)

domingo, 26 de março de 2017

sutilezas e necessidades.

A sensibilidade é o primeiro tempo. O início da linguagem e do contato. O aceno de mão para o conhecer, para o sentir. A sensibilidade tem um tempo só seu, entrecortado por enormes espaços de silêncio. O olho no olho, sempre amedrontador. A esquiva desconfortável, mal notada. As impressões falhas. Os golpes com facas de gelo. Tudo leve impressões sensíveis tão bem ornamentadas no plano das ideias. Enorme alegorias emocionais. A viagem percorrida pelo tempo do silêncio. As pessoas poderiam ser, todas elas, em primeiro plano, sensíveis. Postas a notar cada variável tom, as dores e os amores das variáveis vida. Se despir, todas. do viés ameaçador dos diferentes homens e vozes, da armadura a botar brutalidade na fragilidade do ser. Se despedir dos homens e de suas armas, a queimar a pele sob a ameaça do sensível.
O tempo é o segundo tempo. O tempo de reconhecer os tropeços. As vacilações. De buscar as respostas para cada mudança do ângulo de sentir, procurar embaixo das pedras respostas subjetivas. De esperar, sentar a calçada e saber que de cada cem pedras, uma sempre há de cair. De cultivar mudas e rega-las com roupas de astronauta. Se apegar as crianças, eternas aliadas das figuras bonitas. É de ter fé, cega, no interior. Desligar os relógios, mudar as rotas, ignorar a contramão. A espera da palavra sair, da lágrima brotar, do peito explodir. São as nuances que fixam.
Não enlouquecer é o terceiro tempo. Não em uma fé cega à norma, mas ao apego por não cair no bueiro. Para que a melancolia não vista a pele branca, gelada e imóvel. Para que a solidão, sempre a espreita, não nos capture na esquina. Ou, pior, para que a roupa tecnocrata não insista em ser vestida. E tudo se transforme num cumprir tarefas do dia. Que a inabilidade de comunicação não nos exclua da lista de convidados para a vida. Nem a tristeza predomine em nossos poros. Que a violência dos homens, a brutalidade da vida, o imperativo da fome não quebre nossos ossos de vidro.
ou
para que quando quebrados
não deixemos de caminhar com as fraturas
sabendo que a cada mil lágrimas nasce um milagre.
pequenininha e sensível, mas melhor que as outras opções.