terça-feira, 15 de novembro de 2016

terra dos tempos sem relógios

Insistemos na delicadeza das imagens formadas junto as linhas de um poema, na crença inocente em um tempo diferente. Um senhor não mais urgente, com relógios pesados que sustenta ombros encolhidos, mas como alguém mais que algo que faz charme e dança frente a loja de discos que coloca, toda a manhã, os autofalantes para fora e toca uma valsinha vulgar ignorando os passos apertados e desatentos de gente importante. Renunciaremos, sem culpa os compromissos. Não retornaremos ao número das obrigações. Contemplaremos o toque que revela um sentir de gente não-coisa. Desbravaremos o infinito dos nossos corpo, as constelações imaginárias do céu de cada boca. Acompanharemos os rios que se formam pelas veias em cada parte do corpo humano e o mar de carros cuja velocidade se transmuta em um quebrar de ondas no mar. O silêncio da meditação, da cumplicidade, do reencontro consigo para o acenar para o outro, será a urgência dos dias difíceis. No asilo da não gente - recusaremos toda demência imposta pela produção. Rebelaremos-nos, em ato solitário, inocente e inconsequente, contra as máquinas na busca de um tempo sem relógio. Na nossa nova terra, as palavras serão delírios e a loucura o único ato. A lógica não será nosso Rei, a ciência substituída pelas metáforas e hipérboles e o exagero nosso mais nobre ofício. Acharemos absurdo viver o hoje com o peso do amanhã, se trancar em movimentos repetitivos e monótonos por dinheiro, se furtar do gesto pela ameaça do outro. Auto-imunidade será motivo de olhares desacreditado. Não existirá mais fome de pão ou de abraço e todas as noites, antes de dormir, os amantes trocarão versos sinceros, gemidos reais e se abraçariam com suas pernas. Cresceríamos aprendendo que somos passageiros, chegamos sem roupa e dentes, para um tempo insignificante. Não deixaremos ninguém de fora pois, intensos e extensos que então iremos ser, sempre estenderíamos a mão. Mesquinhez e avareza não existiriam em nossos dicionários porque, na construção desse novo tempo, optaríamos pela comunhão entre os homens. Nos daríamos assim: por inteiro. Amaríamos em cheio todas as metades e teríamos como vício o sonhar. No tempo concreto, dos homens máquinas violentos, desenhamos, todas as noites antes de dormir, a terra dos tempos sem relógios.