sexta-feira, 7 de abril de 2017

Milagros

Milagros aceitou se render à tradição familiar para não faltar nada no ritual que a transformaria como madrinha.  Pôs a mão na cabeça da filha e recitou: "Menina que dorme sob o olhar de Deus, desejo que jamais o perca, que vá pela vida tendo a paciência como melhor aliada, que conheça o prazer da generosidade e a paz dos que não esperam nada. Que entenda teus pesares e saiba acompanhar os alheios. Te desejo um olhar limpo, uma boca prudente, um nariz compreensivo, os ouvidos incapazes de recordar a intriga, lágrimas precisas e moderadas. Te desejo a fé em uma vida eterna e o sossego que essa fé concede. Amém", disse Josefa, chorando na sua cama.
"Agora posso falar o meu?" perguntou Milagros.
Josefa disse que sim.
"Menina", disse Milagros, com solenidade de sacerdotisa: "Eu te desejo a loucura, a determinação, o anseio, a impaciência. Te desejo a sorte dos amores e o delírio da solidão. Te desejo o gosto pelos cometas, pela àgua e pelos homens. Te desejo a inteligência e a criatividade. Te desejo um olhar curioso, um nariz com memória, uma boca que sorria e amaldiçoe com precisão divina. Pernas que não envelheçam. Um pranto que te devolva a integridade. Te desejo o sentido de tempo que tem as estrelas, o temperamento das formigas, a dúvida dos templos. Te desejo a fé nos agouros, na voz dos mortos, na boca dos aventureiros, na paz dos homens que esquecem seu destino. Na força das tuas lembranças e no futuro como promessa onde cabe tudo que nos acontece. Amém"
"Amém", repetiu Josefa, abençoando a fé a imaginação de sua irmã.
(Ángeles Mastretta)