domingo, 27 de janeiro de 2019

Os riscos de se caminhar na lua

Dentro da minha solidão talvez já não exista nada. Paisagens e pessoas que vêm e vão, enquanto minha cabeça permanece encostada na janela de algum ônibus em movimento - eterno trânsito de afetos. Dentro da minha solidão talvez agora caiba algumas frases de Clarice, dois ou três versos dos poetas que me apresentou e as músicas da Anelis tocadas alta no domingo de manhã. Dentro da minha solidão cabe a certeza de que toda partida tem um certo de gosto da morte, como um sem sorte vejo que o futuro não trouxe nossos tantos sonhos sonhados, estancados e misturados em algum lugar com os cigarros, biritas, maconha e os intensos amores. Sei que permaneço e que está sempre foi minha verdade, de lado só eu mesma me pertenço e que das passagens, de longe, já aprendi a resistir e com elas seguir. Sei que nesse caminho tantos momentos me rasgaram, rodoviárias, aeroportos, imensos estragos, pedaços que tirei e remendei no trapo, ciente de que a minha armadura é feita de força e coragem que nem sei donde consegui. Assim como uma partida é um copo que a vela quebra quando termina de queimar, é a possibilidade de recria-lo depois de dormir. Por ora chorar o luto de um quarto esvaziado, o medo que sempre mora atrás de porta e que fica louco para a roupa da solidão vestir.
O mundo parece ameaçador quando sente que tem que encarar ele sozinha, é como caminhar por um lugar deserto em que se fareja uma ameça imaginária mas, mesmo assim, sabe que também que é real.
É como aprender que se corre o risco de chorar quando se deixar cativar um pouco, e que o choro é uma alquimia da gratidão. Confiar no futuro como uma página em branco em que, no eterno retorno, sempre consegui bonitas paisagens fazer florir. Confiar no futuro como o campo das possibilidades.

domingo, 7 de janeiro de 2018

Otimismo de uma noite insone

Ocorreu um erro, as palavras sumiram-me!!
Sentei, juro, determinado a escrever alguma poesia
a rimar amor com vôo
e imaginar um destino, assim
todo frouxo.

No meio desse caminho
não sei ao certo
se era uma pedra tinha.

Algum ruído, imprecissão
de dia.
Barulho chato,
que não pia nem fica.

Leminskiou-se numa rima
num quase haikai
que nunca foi dia.

Sumiu na próxima esquina
deixando um sentimento
que não é lamento nem nostalgia
no fundo, até um pouco
de alegria.

domingo, 10 de dezembro de 2017

A derrota no primeiro tempo.

De todos os papéis: o ridículo. O ridículo sem medo, bobo-da-corte, o abatido, trucidado com o sorriso bobo. Já não me importa mais os papéis, todos eles, ridicularmente ridículos quanto os ridículos  que andam sem máscaras. O bater da vida, feito chicote, começa primeiro no topo das costas, depois mais abaixo, ai aí! O joelho, já anda torto e fixo pra aguentar o próximo chute. Ah, o que me importa o ridículo nesses tempos!! Poderia eu divagar sobre poderosos e seus ridículos discursos inescrupulosos, poderia elogiar as ridículas boas maneiras dos-que-nunca-erram ou as ridículas roupas dos que riem enquanto apontam para o ridículo alheio. Mas eu, ridicularmente, prefiro falar sobre flores. E, ridícula em todos os momentos, prefiro ignorar o todo ridículo que me cerca e explodir. Explodir em mínusculos e finozinhos e, ah, tão ridículos, fragmentos do eu - Já não sei mais o que sou e não sinto medo, é só uma espécie de naúsea permanente. Ah, tantas dúvidas e tão pouco jeito pra dizer o prende na gargante, o que só sei que existe pela ânsia. Mas essa ânsia é tão forte, eu te juro, que dói, que ridicularmente dói muito não conseguir dize-lá. Como viver sabendo que algo existe mas não se pode dize-lo? Ando de um lado para o outro, angustiada. Inquieta, irritada. Por não saber o que é algo que é e, ah, preciso tanto dizer senão por mim recai o manto branco da solitária solidão. Como acessar esse eu que existe, quer se mostrar, mas não sabe o que é?
 Rabisco paredes, jogos dados, aposto a sorte. Soldados, tentem me pegar!!
Quem me falar de flor não diz muito, quem me falar de dor, diz muito mais.

De todas as explosões: a do peito. O sentir 5 dedos pressionando de leve o seu coração numa espécia de êxtase feliz que só consigo descrever pelo som - pausa, suspiro, sorriso. Não sei de onde vêm essas borboletas que carregam meu estômago para cima. Pouco sei do endereço real do que contraí meus músculos para o riso. Quase nada me importa as respostas, é desperdício ter todas as certezas. Prefiro eu, remador de uma naú sem rumo, piloto louco em eminente queda, sentir isso acontecendo milhões de vezes por microsegundos. Seguir o instinto puro de sol.

--- Ó, não me venha com obrigações. No momento estou muito ocupado pintando o momento --

Louco. Animal que rasga as coleiras. Que desafia os princípios. Minha pele não suporta a dureza dos seus homens. Ó, que ao menos salvem os sensíveis dessa terrível guerra que está por vim!
Voar, voar, voar.
Feito o pássaro mais leve que paira sobre o ar. Como será o mundo visto do céu? Desde a primeira vez tive medo de avião. Aquela máquina pesada, apertada que de repente atravessa uma nuvem muito grande trazendo uma espécie de cegueira. Como começa aquele livro do Saramago.
Lembrei que tenho alguma lembrança desse livro. Me veio o começo, aquela história que de uma hora para outras as pessoas começavam a ficar cegas e a cegueira era uma espécie de experiência leitosa. Não lembro o final, nem quando li. Nada disso importa.

Ah, tenho tantas e tantas obrigações que a minha mente se cansa de pensar nelas e, lá fora, quase nada realizado. -- Ah, estou tão ocupada pintando o momento!! --
Descompassada. Inquieta. Por dentro pulsa, ainda bem.  Pago o preço pela pulsação.

Vacilação: Tem dias que a balança pende para o outro lado. Impossível separar as doses - isso aqui é dor, ali vibração. Novelos e mais novelos de relações, minúsculos movimentos que pairam no ar. Ah, como queria o teu olhar e não pedaços dele, incertezas. Despertar em você a vontade de fixar, o convite pra descobrir. Queria eu, poeta errante nas cidades que não se importam, acessar sua versão mais profunda, conhecer pedaços ainda desconhecidos do latifúndio do teu corpo. Desenhar novos planos astrais. Pintar, em aquarela, teu cílios mais compridos e os imperceptíveis caminhos da tua boca.
--- deixe de bobagem, o imaginado nunca é e, quiça, nunca será concreto ---

Quando os dados são jogados, sempre param no mesmo final - o desfecho solitário das minhas escolhas quase sempre erradas. Errante, errante. Se apaixonar pelas estrelas do céu, pelos botos do rio, pelos homens de outros caminhos. Deixar ir. Balançar os pratos pro não sofrer, pro não imaginar.

Não interrompa meu silêncio. Quando não estou, aprenda a esperar minhas pausas. Um novo verão, um outro cruzamento. Mais um olhar, tão lindamente pincelado por ângulos de sensações. Convite irrecusável, para eu, lobo solitário em plena mata, seguir instintivamente. Paixão ardente por coisa nenhuma.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Auto-explicação, aos demais, desculpas.

Não sou muito dada aos alardes, as vozes altas, telefonemas bruscos, carros de som no meio da Avenida. Tenho aprendido com o silêncio das águas, a linguagem com que me comunico com meus semelhantes. De tanto conversar com árvores aprendi a balançar sem alardes, a cair com graça, a armazenar com sabedoria o tanto visto e nunca dito. As  montanhas têm me ensinado a meditar com calma, a limpar o coração por mais árdua que a tarefa seja, contemplar o bonito e agradecer, agradecer sempre o que em meio a tanta brutalidade dos homens me traz um fio de esperança no que desejo. Os pássaros, esses seres tão leves e graciosos, me trazem aos olhos um milhão de cores com que posso colorir em aquarela o meu caminho, o canto tão preciso e delicado que me presenteia os ouvidos, pela manhã, ensina uma sinfonia harmônica que dança com a minha boca imóvel.
Sou um caixeiro de silêncios, um amante das sutilezas. Por favor, aceite minhas delicadezas como um tesouro a ser descoberto. Aprendo na mudez que não é renuncia de comunicação, a desenhar com dedos mapas astronímicos em outros corpos, a acompanhar os caminhos das veias e dos rios, os desenhos que os cílios fazem no ar e as vontades presas em tantas íris cor de mel.
Sou um ser de despropósitos -- não quero chegar a lugar algum assim, tão bem desenhado. Mais me vale o lado dos que perderam, dos que ficaram para trás, dos que não almejam tão grandes destinos. Mais me vale as conversas profundas, os amores sinceros, os afetos dos que tem muito tempo e pouco medo.
Sou um buraco de profundidades, é preciso não ter medo para caminhar com nenhuma certeza. Em cada canto, vejo mil e um ângulos que merecem igualmente minha atenção. Destrincho-os, me perco e os perco, num desejo de liberdade com que vejo e deixo o que tiver que ir, passar. Na solidão das igrejas, aprendi que nem Deus ou Estado é capaz de me garantir alguma companhia permanente.
Abrigo de desapegos, quero ter a sorte de um dia viver a simplicidade dos monges, as paixões terrenas, a sabedoria mineral. Quero me somar no canteiro de mudas de uma nova geração - dos sentimentos que vibram, de amarras que libertam, dos cuidados em comunhão.

-- eu penso que o mundo pode ser mais bonito e só de olhar, sei que alguns de vocês também --

domingo, 15 de outubro de 2017

Sobre fumantes e grades bancas.

Pego-me pensando nas semelhanças entre os fumantes e as grades brancas. Ambos - à espreita - no canto inabitável do ambiente, cercando de dureza e devaneios, as janelas grandes. Ângulos de todas as formas e direções, quadrados, losangolo e etc etc. Primeiro, explico como cheguei em tal conclusão. Primeiro, foi o dia cinza, com nuvens que peneiravam o céu em monocromático. O rosto pesado, caricato, distante. Depois, o bolo no estômago que bateu durante o almoço, feito massa branca de pão molhado a fechar a boca, bem na altura do esterno. Precisamente, entre os ângulos da costela. Depois, o espanto - triste, rápido e certeiro - da inconstância que bate em dias sim. Tudo pra pensar sobre as pontes intransponíveis entre meus pensamentos íntimos e as pessoas cotidianas. Um paraíso habitado pela mais branca solidão. Paradisíaca praia de uma pessoa só. Invento brincadeiras para esse amigo tão fino, jogos de palavras, desenhos mentais, cenários irreais. Numa linguagem de olhares, cantos de bocas, mãos e silêncio. Sutis movimentações. Sutis afetos. Silencioso e sempre espreita. Conjuntamente, cultuamos a mesma obsessão e o grito de socorro -  inventar a poesia sem estrofe.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Cérebro máquina, sátira vã.

Preste atenção. Eles todos. Estamos num palco de batalha, 3 minutos para o início da luta. Sangue nos olhos, boca tremendo, o corpo todo em uma vibração de corrente elétrica, dos pés a cabeça, levantando todos os pelos num desejo incessante. O ódio a te comer pelas beiradas. Cachorros loucos atrás das vacilações. Batedor de mãos levantados para o primeiro a questionar. E você, se negando a sorrir e obedecer como um cachorro dócil, fica quieto e rosna. Rosna preso, feito o lutador aos 3 minutos da batalha. Rosna até o corpo se rebelar ou explodir. Sátiras e mais sátiras, o que resta pro nosso bando? Posso falar o quanto vocês todos, com essas roupas engomadas e impetuosamente limpas, são ridículos. Das cabeças de cabelos arrumados, ao sapato lustrado, passando pelo jeito de falar, cerimoniosamente herdados das boas maneiras estrangeiras e do código de moral empoeirado da estante. O quanto tudo que valorizam é medíocre, restos de pó e coito fadados às facadas na costas. Não conseguem confiar na própria sombra ou deixar de sentir uma náusea ao escovar os dentes, pelas manhãs. O quanto tua sede de poder, sua fome por dinheiro e o fetiche pela tortura alheia mancha suas goelas e corrói as vísceras, num movimento inexorável de autodestruição em massa. O quanto fedem e fedem e fedem. E o quanto vocês, meus caros amigos que, nesses momentos de torturam sorriem são fracos, caminhando docilmente para o abatedouro. Bois alienados batendo palma para o churrasco. Calada, sempre a espreita com o cérebro a piar feito máquina à vapor, traçando o plano mais rápido para a próxima saída ou o jeito indolor de encarar a morte. Ó, senhor, piedade, dessa gente careta e covarde!

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Novas lições, de Alter.

Organizar as ideias - unir todos os pontos sem se perder na trilha do minotauro de possibilidades. Ideias distantes, sem traços, conectadas com o aqui ou com o acolá, num emaranhado de minúsculos e finos fios. Saber por onde começar a olhar o conjunto de perspectivas do fato. O começo é sempre o mais difícil.
Ver, com o caleidoscópio de sentidos, os diferentes enquadramentos do enigma de Escher.
Lição 1: A criatividade é fruto do ócio e a poesia não tem relógios. É preciso destilar, destilar cada vez mais, até chegar --- síntese. Produto final em uma dúzia de palavras.
Número 2: Tudo pode ou não pode ser. As moedas tem duas caras e é preciso muito diálogo com árvores para compreende-las. Não se pode vacilar com as emoções.

Necessário sempre: brincar com a língua
                                ganar el mundo
                                - com elas.
                                Ritmo de carimbó.

Poesia: Formar imagens
            com palavras
            e regá-las
            à luz das emoções.

Poeta: indivíduo coletivo.
            taciturnos e estranhos
            em constante diálogo
            com as estrelas.



um poeta treme a mão ao apresentar sua poesia.