segunda-feira, 26 de setembro de 2016

homem amarelo

Que cara tem a morte que se vê no espelho? Pergunto, num silêncio mudo, ao homem amarelo. Terá esse homem, tão estonteante por essa cor, a dor dos demais na terra? O homem amarelo, um quadro para os mais espertos, um conjunto de sinais e sintomas para os técnicos. Ictérico, rosto de sofrimento, pernas edemaciadas - e na minha cabeça, o homem e sua cor e dor. O vivo-morto da enfermaria. Sexto andar, segunda sala da direita para a esquerda, último leito, do lado da televisão que indiferente ao momento drama de um ser, continua o show de manchetes insinuantes. Jovem, muito jovem, é pouco que sei sobre o homem amarelo. Terá ele tido todas as paixões que um dia nos prometeram aqui na terra? O sexo imperativo, as drogas companheiras, o emprego indigesto? Temerá, ele, agora, que sua alma realmente exista? Ao se ver amarelo será que pensa em planos, em danos, em encantos? Estará ele mais perto do que eu da verdade na qual tanto me debruço? O homem amarelo, de carne e osso e algo mais, feito eu, feito você, agora reduzido a uma cor - amar-elo.  E uns nódulos que comem pelas entranhas, feito paixão desamada em sua forma material. Muitos homens grandes, já descrentes do próprio fim fatal em pó, o analisam do lado direto. Camisa social abotoada, calças com cintos escuros, a postura de quem nunca se viu assim - nulo. Examinam, descrentes, o homem amarelo. O homem amarelo -gritam- venham o ver! Assim, as cabeças se multiplicam: o Rei e seus súditos, marchando em conjunto. Enquadrando, muito cedo, o sentimento no lado alheio, desatentos, ao fato, ao ato, do tempo continuar percorrendo os ponteiros, acelerado. Tenho habilidades desimportantes: ainda me espanto com a flor que nasce no asfalto.